FERIDOS
QUE FEREM
O chamado
pastoral sempre foi o mais valorizado no segmento evangélico. Por essa razão, é
de se estranhar quando alguém que se diz escolhido por Deus para apascentar
suas ovelhas resolva abandonar esse caminho. Nos Estados Unidos, algumas
pesquisas tentam explicar os principais motivos que levam os pastores a deixar
de lado a tarefa que um dia abraçaram. Uma delas foi realizada pelo ministério
LifeWay, que, por telefone, contatou mil pastores que exerciam liderança em
suas comunidades eclesiásticas. E o resultado foi que, apesar de se sentirem
privilegiados pelo cargo que ocupavam (item expresso por 98% dos
entrevistados), mais da metade, ou 55%, afirmaram que se sentiam solitários em
seus ministérios e concordavam com a afirmação “acho que é fácil ficar
desanimado”. Curiosamente, foram os veteranos, com mais 65 anos, os menos
desanimados. Já os dirigentes das megaigrejas foram os que mais reclamaram de
problemas. De acordo com o presidente da área de pesquisas da Life Way, Ed
Stetzer – que já pastoreou diversas igrejas –, a principal razão para o
desânimo pode vir de expectativas irreais. “Líderes influenciados por uma
mentalidade consumista cristã ferem todos os envolvidos”, aponta. “Precisamos
muito menos de clientes e muito mais de cooperadores”, diz, em seu blog
pessoal.
Outras
pesquisas nos EUA vão além. O Instituto Francis Schaeffer, por exemplo, revelou
que, no último ano, cerca de 1,5 mil pastores têm abandonado seus ministérios
todos os meses por conta de desvios morais, esgotamento espiritual ou algum
tipo de desavença na igreja. Numa pesquisa da entidade, 57% dos pastores
ouvidos admitiram que deixariam suas igrejas locais, mesmo se fosse para um
trabalho secular, caso tivessem oportunidade. E cerca de 70% afirmam sofrer
depressão e admitem só ler a Bíblia quando preparam suas pregações. Do lado de
cá do Equador, o nível de desistência também é elevado, ainda mais levando-se
em conta as grandes expectativas apresentadas no início da caminhada pastoral
pelos calouros dos seminários. “No começo do curso, percebemos que uma boa
parte dos alunos possui um positivo encantamento pelo ministério. Mais adiante,
já demonstram preocupação com alguns dilemas”, observa o diretor da Faculdade
Teológica Batista de São Paulo, o pastor batista Lourenço Stélio Rega. Ele
estima que 40% dos alunos que iniciam a faculdade de teologia desistem no meio
do caminho. Os que chegam à ordenação, contudo, percebem que a luta será uma
constante ao longo da vida ministerial – como, aliás, a própria Bíblia
antecipa.
E, se é
bom que o ministro seja alguém equilibrado, que viva no Espírito e não na
carne, que governa bem a própria casa, seja marido de uma só mulher (ou
vice-versa, já que, nos tempos do apóstolo Paulo não se praticava a ordenação
feminina) e tantos outros requisitos, forçoso é reconhecer que muita gente fica
pelo caminho pelos próprios erros. “O ministério é algo muito sério” lembra
Gedimar de Araújo, pastor da Igreja Evangélica Ágape em Santo Antonio (ES) e
líder nacional do Ministério de Apoio aos Pastores e Igrejas, o Mapi. “Se um
médico, um advogado ou um contador erram, esse erro tem apenas implicação terrena.
Mas, quando um ministro do Evangelho erra, isso pode ter implicações eternas.”
Desde que
foi criado, há 20 anos, em Belo Horizonte (MG), como um braço do ministério
Servindo Pastores e Líderes (Sepal), o Mapi já atendeu milhares de pastores
pelo país. Dessa experiência, Gedimar traça quatro principais razões que podem
ser cruciais para a desmotivação e o abandono do ministério. “Ativismo
exagerado, que não deixa tempo para a família ou o descanso; vida moral
vacilante, que abre espaço para a tentação na área sexual; feridas emocionais e
conflitos não resolvidos; e desgaste com a liderança, enfrentando líderes
autoritários e que não cooperam”, enumera. Para ele, é preciso que tanto os
membros das igrejas quanto as lideranças denominacionais tenham um cuidado
especial com os pastores. “Muitos sofrem feridas, como também, muitas vezes,
chegam para o ministério já machucados. E, infelizmente, pastor ferido acaba
ferindo”.
Quanto à
responsabilidade do próprio pastor com o zelo ministerial, Gedimar é taxativo:
“É melhor declinar do ministério do que fazê-lo de qualquer jeito ou por
simples necessidade”. A rede de apoio oferecida pelo Mapi supre uma lacuna
fundamental até mesmo entre os pastores – a do pastoreio. “É preciso criar em
torno do ministro algumas estruturas protetoras. É muito bom que o líder conte
com um grupo de outros pastores onde possa se abrir e compartilhar suas lutas;
um mentor que possa ajudá-lo a crescer e acompanhamento para seu casamento e
família e, por fim, ter companheiros com quem possa desenvolver amizades e
relacionamentos saudáveis e sólidos”.